segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Liberdade(s), Amor e Ética Sexual



Neste Post, vamos retomar a temática, já abordada aqui, sobre a importância da “Liberdade” e dos limites éticos aos relacionamentos afetivos-sexuais.

Thomas Hobbes afirmou que a Liberdade não está no querer. Está no fazer. Então, reflita comigo...

“O querer é natural, instintivo, necessidade”… Quem age instintivamente é livre? Não. Exemplificando: Ninguém é livre para não sentir sede. O instinto é necessidade biológica. Por isso, “Liberdade é o conhecimento e a superação da necessidade.”

“Já o Fazer, advém das possibilidades, das escolhas”. Mesmo sentindo sede, posso escolher não beber nada naquela hora. Ainda que esteja sentindo raiva, não vou agredir outra pessoa. Mesmo que eu sentisse vontade, não sairia por aí transado com todo mundo, porque minha responsabilidade ética, corporal, afetiva e individual não me permitiria.

No entanto, esse processo se dá pelo conhecimento. Pela busca da consciência dos meus atos. Somente dessa forma as pessoas podem dizer-se “livres”. A liberdade nasce e se dá dentro de nós.

Voltando à reflexão anterior: a realidade é que, por mais que se fale em liberdades, os homens não são completamente livres. Estou me contradizendo? Não. É que a liberdade possui limites éticos (internos), os quais advêm da reflexão sobre os limites morais socialmente impostos. Muitos desses limites necessitam ser superados.

O que não se pode é perder os limites éticos, porque assim cairíamos na banalidade, no vício, no libertinismo despótico.

Sócrates dizia: "Conhece-te a ti mesmo". Isso nada mais é do que a descoberta, dentro da mente humana, de que a pessoa ainda é escrava de suas paixões e emoções, submetida à ignorância e que precisa ser libertada. Mas essa libertação não depende de ninguém a não ser dela própria.

Mesmo quando podemos escolher, há limites estabelecidos nessa liberdade. Como assim? Eu posso ir à Grécia ou à Nova Iorque? Isso é uma escolha. Mas eis aí o limite, pois temos que escolher.

Por isso, sou apaixonada pela filosofia, pela ética, as quais sempre lançam novas perguntas, novas reflexões. Isso nos faz crescer humanamente. Minhas alunas da disciplina de Ética diziam que ficavam confusas. Eu fazia perguntas e, quando elas acreditavam que haviam encontrado a resposta, essa se transformava em uma nova indagação.

Alguns psicólogos afirmam que se você sente alguma coisa, não deve reprimir esse sentimento. Deve colocá-lo pra fora, expressá-lo. Então, isso seria liberdade?

Lembrem-se: a liberdade tem limites éticos. Um simples exemplo: as barbáries que vivenciamos na sociedade hoje. Violência, drogadição, sexo exacerbado, sem qualquer responsabilidade ética e afetiva...

Se liberdade significasse fazer o que se quer, ou se sente, por necessidade, não teria porque existir leis. O caos estaria estabelecido (o que, aos poucos, está acontecendo).

A liberdade está lá fora ou aqui dentro? Onde você começa a procurar a liberdade? No mundo exterior? Ou a liberdade começa dentro de você, na sua consciência?

Espero que estejam começando a entender meu questionamento.

A ética é a reflexão sobre a moral, imposições e crenças socialmente estabelecidas. Condicionadas. E a partir da ética, que a liberdade pode nascer. Exatamente do caos que houver dentro de si.

Portanto, se quer ser livre, não jogue fora seus medos. Enfrente-os. Dialogue com eles. Argumente. Vença-os. Supere-os.

Entendem?

Se há conflito dentro de mim é por lá que devo começar: dentro de mim.

Na minha mente, no meu coração, é assim que posso ser livre dos medos, ansiedades, mágoas e sentimentos negativos que sofremos por causa de alguma desordem.

Observe tudo por si mesmo!

A luz que buscamos está dentro de nós. Assim como a paz, o amor.

Se buscamos isso no outro; se o outro é nossa energia, a dependência continua. E, portanto, continuamos escravos. Sempre dependendo de alguma outra pessoa.

Para a superação do senso comum, a ética faz-se necessária, pois as influências externas também devem ser questionadas, quando psicologicamente, religiosamente, afetivamente, sexualmente, politicamente eu não consigo enxergar as armadilhas, as ideologias, as amarras invisíveis que me reprimem, me limitam, não apenas externamente, mas, especialmente, internamente.

Então, temos de começar a compreender a profundeza da liberdade. Precisamos começar por aquilo que está mais perto: nós mesmos.

A grandeza da liberdade, a sua beleza, está dentro de nós. Um homem internamente livre. Essa é a verdadeira liberdade e a mais bonita. E esse equilíbrio interno só vem quando somos uma luz para nós mesmos.

A Liberdade é equilibrada pela disciplina. Ou estabelece-se o caos, que resulta na degradação pessoal, familiar e profissional. Portanto, a Liberdade a que me refiro implica respeito, nesses limites éticos.

Respeito a si mesmo e ao outro. Nesse sentido, respeitar o espaço do outro é vital numa relação afetivo-sexual. Todos precisamos de espaço e que nossa identidade seja respeitada.

Temos amigos pessoais, sonhos, projetos, desejos, comuns e individuais. Mas, sem liberdade, a falta de individualidade é como falta de ar. As pessoas começam a se sentir sufocadas, causando frustrações e, às vezes, acarretando o final de um relacionamento.

Assim como o ar é vital para o corpo, o amor é vitalidade da alma.

Há que se ressaltar que estou falando de individualidade, e não de individualismo (que é uma forma egoísta de agir sem pensar e respeitar o outro e os limites éticos), uma vez que é necessário compreender essa diferença entre individualidade e individualismo.

Porque vivemos tempos de um sociedade descompromissada afetivamente e individualista. E como afirma Nunes:

"Nessa abissal lacuna a descompressão sexual, o hedonismo, a virtualização de formas tecnologizadas de erotismo, a pansexualização, da violência, [a explosão pornográfica] produzem uma forma de vivência da sexualidade: mecânica, genital, quantitativa, deserotizada, performática, egoísta, descompromissada afetivamente e incapaz de criar laços recíprocos."

E não conseguem perceber que o consumismo sexual, "é a nova forma de repressão sexual, pois a sexualidade reprimida é aquela na qual não há sujeitos livres e esclarecidos, pois estes são objetos de uma determinação ideológicas ou autoritária. Se a repressão, até bem pouco tempo atrás, era de natureza negativista, hoje ela se traduz em sua expressão impulsionadora da sexualização de todas as dimensões do mundo e da vida. Todavia, tanto numa quanto na outra, quando a pessoa não se torna sujeito das suas condutas e atos, reconhece-se a repressão sexual", e a falta de uma ética sexual e consequentemente da liberdade.

Mas o amor e a felicidade estão dentro de nós? Sim, porque ninguém pode dar ou sentir aquilo que não possui. Por isso, creio na teoria que precisamos de alguém que já venha inteiro. Porque a pessoa que vem inteira sabe respeitar espaços, a pessoa que se sente completa aceita que você não é igual, e, principalmente, a pessoa que aprendeu a totalidade sozinha sabe que dividir algo com você não implica nenhuma perda para ela.

O outro não é minha metade. Ele não vem para me completar. Eu já sou inteira. O outro vem para me COMPLEMENTAR, me fortalecer. É como uma extensão do meu ser, que soma, que agrega.

Acredito que a troca no relacionamento só é completa quando cada um é inteiramente proprietário das suas ações. As lições que você aprende durante sua incompletude. Essas, sim, serão imprescindíveis e farão você dividir completamente tudo que existe dentro de você.

Consideramos que liberdade com consciência e respeito é a chave dentro de qualquer relacionamento prazeroso e duradouro. Amar a si mesmo, ao outro e ao mundo e abri-se, crescer, não fechar-se, limitar-se.

No entanto, o que visualizamos hoje é muitas pessoas que na sua ânsia de experimentar a liberdade genuína, lançam-se em uma louca procura de toda espécie de prazer, banalizando a liberdade e transformando-a em libertinagem.

Porém, a satisfação real não se encontra isoladamente no sexo, mas em nossa realização afetivo-sexual e profissional. Nosso equilíbrio também necessita de pilares.

O que vemos hoje são pessoas que se dizem livres, mas que, mesmo rodeadas de pessoas, continuam solitárias e insatisfeitas. E se tornam escravizadas pelas próprias coisas que acreditavam que iam trazer-lhes a liberdade.

Eis o caso de milhares de pessoas que, na sua revolta contra a sociedade, pensam encontrar na droga, no sexo e no prazer banal a sua libertação, só para descobrirem, no entanto, frustração, porque quando se pensam livres estão ainda mais dependentes e escravizadas.

Lamentável que muitas pessoas, ao iniciarem o relacionamento afetivo, percam sua marca individual, a identidade. Anulem-se em função do outro, percam seu espaço, sua individualidade, pois, sem liberdade, perdemos parte da nossa potencialidade de expressão.

Osho escreveu: “O amor permite a liberdade. ... Se você ama a pessoa, então você não interfere na privacidade dela. Você deixa intocada a privacidade da pessoa. Você não tenta invadir seu ser interior”.


“O segundo erro mais comum sobre o amor é a ideia de que dependência é amor. É um conceito errado com o qual vejo as pessoas se confrontando diariamente. (…) Quando precisa de outra pessoa para a sua sobrevivência, é um parasita dessa pessoa. Não existe nem escolha nem liberdade na vossa relação. É mais uma questão de necessidade do que de amor. O amor é um exercício de escolha livre. Duas pessoas sentem amor uma pela outra apenas quando são capazes de viver uma sem a outra mas escolhem viver uma com a outro” (M. Scott Peck).

Seguindo esta mesma concepção, outro autor afirma:

“O sentimento de posse é uma tendência suicida. Facilmente aniquila o que quer preservar. Resulta bem com objectos inanimados mas é pouco delicado a pedir a rendição absoluta a quem tem uma palavra a dizer sobre o assunto. Daí que os amantes não tenham nada a aprender com a guerra - entre paredes a rendição não se ordena, oferece-se. E todos os tratados são condicionados. Tudo o resto é inocência de quem acredita possuir alguém”(Carson McCullers).

Em todo relacionamento onde haja respeito e responsabilidade, tem-se consciência de que, antes de relacionarem-se entre si, ambos são seres livres, com vontades próprias. Afinal, somos seres humanos, e não objetos para sermos considerados propriedade privada.

No mais, amor implica aceitação. Quando você ama alguém, precisa aceitar e entender a necessidade que cada um tem de ter seu espaço. E só a partir do momento, que ambos se sentirem aceitos, amados, compreendidos, respeitados é que a cumplicidade e a confiança se instalam. O Amor e a Liberdade são umbilicais.

Liberdade e amor devem andar sempre juntos, pois se nutrem mutuamente. Quando alguém dá amor, mas não oferece liberdade, faz com que esse amor, aos poucos, vá perdendo sua capacidade de pulsar.

Sentimentos de apego e insegurança limitam nossa capacidade de amar, tornado-nos escravos de nossos próprios medos.

Quando uma pessoa que não tem espaço suficiente para realizar as coisas de que gosta, de realizar seus sonhos, projetos, desejos, também não oferece isso ao outro.

Amor sem liberdade vai anulando o outro, diminuindo o ar, atrofiando-se, deixando de ser prazeroso, perdendo seu encantamento, a admiração e sua vitalidade.

A anulação resulta ou na perda de amor próprio ou no término do relacionamento. Exemplo: mulheres que abandonaram ou mudaram de profissão em prol de relacionamentos, por medo, rejeição; anulando parte si, gerando frustrações e decepções individuais ou com o relacionamento, bloqueando a possibilidade de crescimento.

Homens também ao iniciarem relacionamentos, muitas vezes, abandonam amigos, o futebol do fim de semana, entre outras relações e atividades que lhe eram saudáveis, para atender ao desejo egoísta da parceira.

Resultado: homens e mulheres anulando parte de si, aniquilando suas identidades, apenas para agradar o outro.

Mário Quintana em forma de poesia consegue nos falar de maneira bonita e simples aquilo que tento passar aqui...
"Meu Deus! Como é engraçado. Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço. Uma fita dando voltas. Enrosca-se, mas não embola. Vira, revira, circula e pronto, está dado o laço. É assim que é o abraço (...) Ah, então é assim o amor, a amizade, tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita. Enrosca, segura um pouquinho, mas não pode se desfazer a qualquer hora, deixando livre as duas bandas do laço. Por isso é que se diz: laço afetivo, laço de amizade. E quando alguém briga então se diz: romperam-se os laços. Então o amor, a amizade são isso. Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam. Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço." 
Assim, muitos vão construindo um relacionamento baseado na submissão, na dependência, na limitação, no medo, no apego, na carência afetiva, enquanto deveriam ser pautados no Amor, na Liberdade e no cuidado (que é muito diferente de controle).

Como bem diz a música “Mania de Possuir”, de Guilherme Arantes:
“Essa mania de possuir
Mata em nome do amor
Fere o espaço mágico da criação
O sentimento à flor da pele


Essa vontade

De engolir o mundo

Ter tudo nas mãos

Logo pode trazer outra desilusão

Coração que não descansa.



Eu preciso de você do jeito que é

Sem te aprisionar

Eu quero inteira

Quando a gente gosta mesmo

Não quer mudar a pessoa



Quantos vivem de mentiras

Dando a impressão

Que a sua certeza é a verdadeira

Quando a gente enxerga as coisas

Não tapa o sol

Então, me entenda

Esse é o meu jeito.”



Essa canção fala da visão hegemônica de limitação do amor, que vai sendo sufocado por uma relação escravizadora, controladora, em vez de ser uma relação emancipadora e prazerosa.

Uma verdadeira relação de amor implica estímulo e coragem. Para que ambos possam buscar seus sonhos, desejos e tornarem-se pessoas realizadas e felizes, pois ninguém é capaz de fazer outra pessoa plenamente feliz, se, antes, não está feliz em paz consigo mesmo.

Quando conseguimos entender, sentir e viver o amor na sua verdadeira essência, na sua mais bela expressão, na sua plenitude, não controlamos, escravizamos, limitamos, nem anulamos ninguém. Queremos tão bem ao outro que nos tornamos ponte, estímulo e cúmplices. E isso implica em segurança, confiança, coragem e muito amor. A liberdade só é possível através da emancipação individual, da preservação da essência de nossa identidade e do amor próprio.

“Pois, aquele que por outro é guiado, não pode falar de amor; mas de submissão. Como aquele que busca impor a sua vontade, não procede em nome do amor; mas das suas próprias carências. Eis que a plenitude não pode brotar senão de si própria. E como poderemos conhecer a plenitude do amor, se cada um de nós não estiver pleno em si mesmo?”

Sobre a sexualidade, é possível verificarmos historicamente que apresenta avanços e contradições. Mesmo em pleno séc. XXI, ainda vivemos numa sociedade que ainda não conseguiu encontrar o equilíbrio para uma vivência ética, qualitativa, saudável e plena da sexualidade.

Vivemos em uma sociedade sexualmente em crise, ainda pautada em dogmas, tabus e preconceitos e falsos moralismos. De outro lado, estamos em uma sociedade que usou falsamente o hedonismo para tornar o sexo um produto, uma sexualidade de pura libertinagem, sem limites éticos e estéticos e sem respeito e cuidado com o próprio corpo e ao outro, sem responsabilidade afetiva.

Acreditando-se livres, muitos tornaram escravos de seus vícios. Precisamos avançar para conseguir viver plena e saudavelmente nossa sexualidade.

Estamos entre a libertinagem e a liberdade, precisando encontrar o ponto de equilíbrio.




2 comentários:

  1. Ola ! Dra Claudia.

    Muito bom o tema, ultimamente tenho pesquisado muito sobre relacionamentos entre outros assuntos.

    Não são poucas as pessoas, que se iludem, com o pensamento, de encontra sua cara metade, e encontrando a mesma, encontrarão a felicidade.
    Mas na verdade, não se procura alguém para ser feliz, mas sim, para compartilha a felicidade, pois a verdadeira felicidade esta dentro de nos, e não na outra pessoa.


    No relacionamento, umas das coisa mais importantes, que tenho percebido em minhas pesquisas, é saber respeitar o espaço do outro, eu mesmo já tive uma experiencia pessoal frustante, com relação a isso, me sentia abafado, dependente da outra parte, auto-estima baixa, e deprimido.

    Um relacionamento, quando as partes, não sabem respeita o espaço do outro, dificilmente é um relacionamento duradouro.

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  2. Olá Marcos,

    Grata pelo comentário. O "mito do amor romântico", da metade da laranja, da tampa da panela, do outro como objeto, da posse, são fatores que lamentavelmente só contribuem para isto: perda da identidade, frustração, auto estima baixa. Assim as pessoas se sentem incompletas e se deprimem. Obrigada pelo seu precioso depoimento. Volte sempre! Meu abraço e carinho. Profª Dra Cláudia Bonfim.

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