sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Importância da Formação Filosófica para a Transformação Social


Ao fazermos uma análise epistemológica da história da educação brasileira, colocamo-nos diante de inúmeros impasses e contradições, especialmente nos dias atuais frente à ideologia imposta pela sociedade capitalista. Como afirma Snyders (1977, p.12): “O capitalismo é o mundo da exploração, mas esse mundo nunca é uma propriedade exclusiva, lugar seguro e aprazível da classe dominante, esta não deixa de esbarrar com as forças da oposição, pois ela própria as suscita.” Urge uma tomada de consciência dos educadores que acreditam, resistem e persistem na luta pela transformação social. O que significa nos colocarmos à frente das problemáticas educacionais e assumirmos nosso papel enquanto formadores de consciência. Conscientizar, não no sentido de doutrinar ou meramente instruir, mas levar o educando a refletir sobre as próprias ações e acontecimentos sociais, tornando-se agente crítico, sujeito, e não objeto passivo do sistema capitalista.
Embora a escola possa e deva ser um dos maiores agentes disponibilizadores de ferramentas para a transformação social, esta muitas vezes, tem apresentado uma tendência elitista e atrelada aos interesses da classe dominante. Os “modelos” que ela incorpora são reflexos de mudanças políticas e econômicas, visando atender à manutenção do poder hegemônico que estabelece novas crenças e valores (ideologia planejada), com o intuito de manter o conformismo das classes trabalhadoras. A educação e a postura docente é influenciada de acordo com as propostas educacionais de cada governante de 1950 a 64 – a proposta vigente era “A educação para todos”, após o golpe militar, embora a educação seja marcada duramente pela repressão, o governo mantém essa proposta, mas a educação se apresenta dual, fazendo claramente a separação entre a classe dominante e a classe desfavorecida; a década de 1970 a 2000 parece reforçar ainda mais essa dualidade com o desenvolvimento do sistema capitalista e a implantação do neoliberalismo, privatizações e globalização da economia que reforçam cada vez mais a desigualdade social e a exclusão.A educação brasileira urge por transformações porque está estruturada de tal forma que sua função é a de meramente repassar conteúdos no sentido de uma representação controlada e manipulada intelectualmente, destruindo o encantamento, o prazer pela busca do saber. Não se pode desvincular a crise educacional da crise do capitalismo, sobretudo se nos situarmos do ponto de vista do olhar sociológico.
De acordo com Saviani (2000), para que os problemas do ensino público brasileiro possam ser superados é necessário mudar a política econômica atual, para que possamos nos libertar da excessiva dependência do afluxo de capital internacional e das metas de ajuste das contas públicas decorrentes dos acordos com o FMI, é preciso priorizar a educação e investir na construção de uma escola pública que atenda realmente às carências da população. A educação necessita, mais do que nunca, ser repensada, especialmente quanto aos seus reais objetivos embora, apesar desta educação tecnocrata dominante, é necessário que haja uma luta por uma educação emancipatória, crítica. E a formação filosófica docente se apresenta como uma das possibilidades fundamentais para abrir fissuras de reflexão e conscientização. Snyders (1977, p.105-106) afirma que:
 A escola deve tornar-se instrumento de luta, pois ela  “não é um feudo da classe dominante, ela é um terreno de luta entre a classe dominante  e a classe explorada. Ela é o terreno em que se defrontam as forças do progresso e as forças conservadoras. O que se passa na escola reflete a exploração e a luta contra a exploração. Ela é simultaneamente reprodução das estruturas existentes, correia de transmissão da ideologia oficial; mas também ameaça à ordem, estabelecida, mais ou menos aberta a nossa ação.” E nós, educadores devemos estar atentos, reflexivos e conscientes do nosso papel como agentes de transformação social.
Krupskaia apud Snyders (1977) faz uma análise do caráter político da escola  por uma dupla perspectiva: por um lado reforçando e eternizando os privilégios e os domínios da  sua classe esforçando-se por torná-la cada vez mais o lugar onde as crianças adquiram o hábito de  manterem-se isoladas conforme sua classe social. Sendo assim, as crianças  originárias da classe desfavorecida são moldadas a obedecer  e incutir hábitos religiosos e nacionalistas. No entanto, aos filhos de sua classe, a burguesia destina outras escolas onde os “educa” segundo seus interesses. De outro lado, a escola com o pretexto de neutralidade não levanta questionamentos que são a base de sua existência. Os governantes têm procurado cada vez mais se desobrigar da educação, mostrando total descaso, como os salários do docente, mas isto não pode ser motivo tão plausível a ponto de entregarmos-lhes a vitória sem sequer iniciar esta batalha por discernimento e justiça social. Faz-se necessário superar a consciência comum da práxis para que o homem possa transformar sua realidade. Pois, para este, a vida é prática apenas no sentido utilitário.
Como afirma Vázquez (1977, p.16): “O homem comum e corrente, enredado no mundo de interesses e necessidades [...]não consegue ver até que ponto seus atos práticos, estào contribuindo para escrever a história humana.” A  questão é histórica, as finalidades da educação sempre estiveram vinculadas aos interesses políticos e econômicos que, objetivando a manutenção de seus privilégios, utilizam-se de um plano ideológico para mascaradamente designar às classes desfavorecidas que Saviani (1999) chama de “dominados”, sua posição ou seu papel na sociedade, conduzindo-as a assimilar que não é possível mudar a realidade; isto porque a escola é excludente e não propiciou-lhes discernimento necessário para formar e transformar suas concepções de mundo.
Mas como é que a consciência comum pode desprender-se dessa concepção ingênua e elevar-se a uma consciência reflexiva? Felizmente a história apresenta fissuras das quais emergem possibilidades, esperanças e lutas pela superação das desigualdades e o papel do educador pode ser a chave dessa abertura. Este, não pode resolver todas as problemáticas, mas, através de sua práxis, pode e deve formar o educando para ter uma visão crítica do mundo, de modo que ele se torne ferramenta de mudança da social. Em nossa vivência vemos exemplos práticos de que o educador pode semear mudanças ao colocar o educando frente a reflexões, instigando-o a buscar respostas. Mas, se o educador agir como mero profissional e a frieza de uma máquina, não despertará o encantamento pelo saber. Porém, se tem consciência do seu papel social, acredita e ama o que faz, irradia isso quando se expressa e poderá contagiar aqueles que estão ao seu redor. 
O educador precisa rever, encarar sua história, as contradições e assumir seu compromisso social, negando a opção posta de servo do sistema capitalista, assumindo que a história não se constrói por si mesma, nós a movemos e nos movemos com ela. Como afirma Marx: “A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educação [...] esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado.” Esperamos e acreditamos que o mundo tenha vários educadores que como nós, engendram mudanças e embora possam optar pela omissão, lutam nessa “guerra contra a fome de conhecimento”. Não podemos aceitar verdades impostas, e isto depende de uma conscientização, da passagem de meros espectadores para sujeitos; de tolerantes para agentes e acreditamos, como nos diz sempre nosso mestre César Nunes, que a Filosofia é o” máximo de consciência possível que uma sociedade pode ter sobre si mesma”, e que esta é fundamental para a formação dessa consciência necessária para a emancipação, tanto dos educadores, quanto de toda sociedade.
            Faz-se urgente uma interlocução crítica com a história, uma investigação filosófica, social e política, a partir de uma tomada de consciência do homem como sujeito na construção da história. É necessário superarmos a visão limitada, linear, o “senso comum” e, a partir de uma formação filosófica, acreditamos conseguir elementos para essa superação. A formação filosófica nos mostra que a história se constrói dialeticamente, envolta em lutas, frentes e contradições que se estabelecem nos diversos momentos históricos. Portanto, a sociedade se constitui a partir dessas mudanças, conduz e se deixa conduzir por elas, o homem é sujeito e objeto,  exploram e são explorados. Como afirma Engels apud Snyders (1981, p.30): “A burguesia proporciona exactamente aos trabalhadores tanta cultura quanto o seu próprio interesse exige. E não é muita.”
                 E Snyders (1977, p.31) conclui:
A burguesia esforça-se , na medida do possível, para submeter a escola aos seus próprios objetivos de classe, para impedir acima de tudo que ela possa contribuir para a emancipação do proletariado[...] a orientação que a burguesia imprime à escola enquanto tiver poder sobre ela é a proclamação de uma escola a-política, acuria de classes, alheia à luta de classes, que estaria a serviço da sociedade no seu conjunto[...]
              Vivemos na sociedade da indústria cultural, onde triunfa a barbárie, poder, soberania de uns sobre outros, monopólio, miséria e a concentração do capital nas mãos de poucos. Questionamo-nos se realmente conseguimos superar o modo de produção escravista, pois, vemos uma sociedade, onde os explorados vendem seu trabalho para garantir sua sobrevivência e vivem a mercê da hegemonia. A transformação das bases materiais e sociais no sistema capitalista parece visar atender apenas a exigência de novas qualificações profissionais para a demanda de mercado e ampliar seu capital. Uma sociedade onde tudo se tornou produto e continuam manipulando as classes que não possuem discernimento necessário para compreender o jogo político do mercado capitalista.
           Como Nunes (2002, p.96) acreditamos que:
Fora da filosofia, da capacidade e do uso do pensamento como base de toda ciência e toda ação, o homem se desencontra [..] E o homem como perde sua maior identidade, que é o pensar, perde sua riqueza, anula-se, massifica-se, instrumentaliza os outros. O homem vence as grandes distâncias e aumenta a distância entre o próximo na multidão.[...] Na própria essência do homem há algo insaciável que só nos caminho da sua filosofia consegue entender  e ter um sentido na vida[...] E o homem só se realiza no outro, pelo outro e com o outro... mais ainda no Outro Superior. A Filosofia é um meio de procura... dentre tudo que é.
Entendemos a formação filosófica como possibilidade prática de uma educação transformadora que tem como prioridade o ser humano. Jaspers (1977, p.13) também afirma que:
Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da Filosofia. massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão somente usam de uma inteligência de rebanho. [...] a filosofia é imprescindível ao homem[...] Filosofar significa estar a caminho. As interrogações são mais importantes que as respostas e cada resposta se transforma em nova interrogação.
O que nos faz crer na importância vital da formação filosófica do educador, para que este possa formar um cidadão crítico, ético e político. Infelizmente, entre muitos docentes predomina ainda, uma visão a-histórica, a–filosófica, a-sociológica. Essa visão acrítica, desistoricizada Gramsci denomina de senso-comum. Cabe retomar Gramsci apud Nunes (2002) que diz:
Todos os homens são filósofos, enquanto pensam[...] enquanto refletem sobre a cultura, a linguagem e o mundo que recebem ao nascer[...]assumindo-o não de maneira pronta e passiva, mas de maneira crítica e responsável.” E continua “após demonstrar que todo são filósofos, ainda que a seu modo inconscientemente [...] passa-se ao segundo momento o da crítica e da consciência.
É necessário que a sociedade entenda claramente que há uma articulação orgânica entre a vida e a história, elas são dinâmicas. Homem e história são reflexos e influências das mudanças conjunturais na sociedade. Considerando Lukács (1989): “Até que ponto a classe (...) realiza “conscientemente”, até que ponto “inconscientemente”, até que ponto uma consciência “falsa”, as tarefas que lhe são impostas pela história?” Pois, ao lançarmos um olhar filosófico para retomar a história da educação no Brasil podemos verificar que, desde a Fase Jesuítica, novas leis foram e são criadas, na maioria das vezes, para beneficiar a classe dominante, hoje  denominada  classe política,  visando seus próprios interesses. A conversão dos indígenas ao catolicismo, através da catequese e pela instrução, foi uma das primeiras formas de “educação” no Brasil, mas era na realidade uma maneira de conduzi-los à alienação, pois, visava basicamente atender aos interesses da classe colonizadora, como o sistema de doação dos bens particulares.  Vemos uma fé voltada à acomodação, à aceitação das regras impostas. Como coloca Balibar (1977, p.27) quando se refere à crise de alienação para Marx:
A classe dominante impõe aos operários sua concepção de mundo e conservando esse bloco social mesmo envolvido por diversas contradições. A escola, a igreja, o exército são os meios que a burguesia utiliza para isso, Essas instituições se comportariam como aparelhos ideológicos de Estado, através dos quais a burguesia estabelece sua própria hegemonia política e cultural, a burguesia solidariza o Estado com as instituições que zelam pela reprodução dos valores sociais. Enquanto a sociedade política tem seus portadores materiais nos aparelhos coercitivos de Estado, na sociedade civil operam os aparelhos privados de hegemonia (organismos relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito, como a imprensa, os partidos políticos, os sindicatos, as associações, a escola privada e a Igreja). Tais aparelhos, gerados pelas lutas de massa, estão empenhados em obter o consenso como condição indispensável à dominação.
E como coloca Gadotti (1982, p.31):
A educação é um lugar de interpelação e de interrogação filosófica por excelência, na medida em que muito particularmente, a educação é um lugar onde o homem se interroga, responde diante do outro e por si mesmo, ao problema do sentido da existência, de seu ser-no-mundo. A educação é este lugar que o chama e o coloca totalmente em questão.
 Acreditamos que a formação filosófica se apresenta como uma forma de contribuir para a formação da consciência  crítica do homem, fornecendo reflexões e ferramentas para que este possa promover ações capazes de transformar a realidade em que vive. Cabe ainda citar Epicuro: “Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse de fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou, assemelha-se ao que diz que ainda não chegou a hora de ser feliz.”
Questionamo-nos até que ponto a educação “evoluiu historicamente”, pois embora muitos educadores tenham exercido e continuam exercendo, bravamente um papel fundamental para que o Brasil prospere, fica explícito o desinteresse dos governantes por uma nação alfabetizada (embora se declare o contrário), afinal educação é aquisição de conhecimento, sabedoria, discernimento, o que significa, consecutivamente, uma participação ativa na vida política, uma tomada de consciência da população sobre seus direitos e não apenas de seus deveres que é basicamente, o que ainda hoje, conhece a grande maioria da classe desfavorecida, que na verdade é que de mais favores precisa para sobreviver.
A educação tecnocrata no contexto capitalista visa preparar os alunos para o trabalho, tornar-se uma máquina ou viver em função dela. Como educadores devemos contribuir para formar um ser capaz de fazer uma leitura crítica dessa realidade, de enxergarem no outro não apenas um concorrente a uma vaga no vestibular ou empresa, mas como um ser humano. Resgatar o respeito por si próprio, sua família, todos que estão ao seu redor. O homem precisa conscientizar-se, definitivamente, que não é auto-suficiente, da relação de interdependência com o outro e com a natureza.  Enquanto os governantes não fazem nada para mudar isto, como educadores devemos resgatar em nossos educandos estes valores que estão sendo excluídos e que considero primordiais para formar um cidadão, pois, educar para a cidadania é mais que impor regras ou formar um ser disciplinado. É preciso instituir, primeiro, o respeito, olhar para o ser que está dentro do educando, deixar de ser apenas uma “máquina de repassar conteúdos e fatos históricos”. O professor que assim age não forma, informa, devemos nos posicionar criticamente diante deste comportamento.
Cabe definirmos etimologicamente a palavra Cidadania, que vem do latim civitas, cidade. No dicionário, cidadão é habitante da cidade, porém, este não deve ser apenas habitante, mas uma pessoa eticamente responsável, que participa ativamente da vida de sua comunidade. E quando nos referimos à comunidade escolar, a cidade torna-se a escola, onde as crianças iniciam plenamente sua vida social. Esta deve ser, não somente um local onde se aprenda a respeitar limites, mas também buscar novas possibilidades. Necessitam perceber que as transformações estruturais da sociedade são marcadas por conflitos e desigualdades e estes devem serem superados.
Democracia e Cidadania são sinônimos, andam de mãos dadas. No dicionário um dos significados da palavra democracia é igualdade.  Mas qual tem sido o papel da escola na formação ou exclusão da cidadania e da democracia? Na superação da desigualdade social? Infelizmente parece que a realidade da maioria das escolas são alunos sentados separadamente, devendo permanecer em silêncio a maior parte de tempo, o que se estende aos seus lares. Ao movimentarem-se ou tentarem s expressarem ouvem uma ordem: SILÊNCIO! Eles necessitam de voz, num mundo onde são bombardeados por informações, ou melhor, desinformações. Precisam colocar para fora seus anseios, medos, dúvidas, discernir o que ouvem, vêem, sentem. A troca, o diálogo é urgente! Não podemos fugir à realidade global, precisam ser esclarecidas todas as questões necessárias à formação da Cidadania. Com o pretexto de ser neutra a escola deixa de abordar questões urgentes como sexualidade, direitos humanos, preconceito, dignidade.
A escola tem que ser um espaço de democracia, de cidadania. Saviani (2000, p. 36) afirma que “quando mais se falou em democracia no interior da escola, menos democrática foi a escola e de como, quando menos se falou em democracia, mais a escola teve articulada com a construção de uma ordem democrática.” O “discurso” governamental justifica a exclusão da cidadania pela imaturidade política do povo, não reconhecendo nestes capacidade de discernimento, negam-lhe o direito a cidadania, ocultam os reais determinantes sociais e econômicos. Formar um cidadão é formar um ser ético, capaz de pensar por si mesmo, reconhecer seu papel na construção da história, assumir-se como sujeito responsável, colaborar para transformar o mundo num lugar melhor. Nós educadores devemos ser sermos co-autores na reconstrução do mundo.  Isso é cidadania e democracia, deixar de ser ator central e ser co-adjuvante nessa fabulosa aventura da busca pelo saber, permitir que o aluno se expresse, ocupe o seu espaço, e permitir a si mesmo aprender, é a maior demonstração de sabedoria. Afinal, ninguém é tão sábio que não tenha sempre uma nova lição para aprender. Temos que reconhecer a precariedade de nossos conhecimentos. Não podemos nos conformar com injustiças, devemos propiciar ao educando o domínio do conhecimento para que este não tenha medo de expor suas idéias, lutar pelos seus direitos, pela igualdade, dar o primeiro passo e transformar a sociedade. 

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