sábado, 10 de setembro de 2011

CONTRADIÇÕES DA POLÍTICA EDUCACIONAL NO BRASIL

  
RESUMO:

A tese que se pretende defender no presente estudo é de que a educação brasileira nunca foi democrática, busca-se argumentos para corroborar esta tese nos dados sociais de classe e índices de exclusão que demonstram que a educação sempre foi utilizada para atender os interesses da hegemonia e não para conscientização mas para manipulação da classe operária, para produzir capital.

        1. A origem da escola

        Destacamos três teses sobre a origem da escola, a primeira tese de Ponce (2001), que afirma que a escola nasceu como instituição nas sociedades primitivas antes da revolução agrícola, no momento da divisão sexual do trabalho ser superada pela divisão social, nas sociedades coletoras e caçadoras, ou seja, a escola teria nascido na passagem das sociedades nômades para a sociedade sedentária. E que a escola nasceu privilegiando primeiro a formação sacerdotal (construir identidades, divinização das forças naturais), Deus como equipamento identitário, segundo os militares (manejo de armas, técnicas de observação) e terceiro os administradores (distribuição dos produtos, do capital). A tese de Ponce (2001) é que a escola nasceu nas sociedades primitivas como equipamento de transmissão das desigualdades sociais, como equipamento de classe, para transmitir aos sacerdotes as técnicas de retórica, bênçãos e maldição, aos administradores as técnicas de administração, aos filhos dos militares a tecnologia de domínio dos equipamentos, a escola nasceu como equipamento de classe, para transmitir aos que socialmente tinham acesso a serviços privilegiados as condições de garantir os seus privilégios, a escola é instituição da desigualdade social, nunca para Ponce (2001) diz que enquanto a escola for de classes ela transmirá um saber de classe.
        A segunda tese sobre o surgimento das escolas destacamos com Manacorda (1989) afirma que a escola nasceu no Egito antigo em sociedades teocráticas organizadas. A escola nasceu na casa do Faraó, 2500 a. C., para equipá-lo ao exercício do poder e a escola era a instituição de organização das habilidades dos senhores, sobretudo das famílias faraônicas. Endogenia sexual, ou endogamia, forma de concentração do poder nas mesmas famílias. Escola é equipamento aristocrata e nasceu para transmitir competências e habilidades, para adestrar ao exercício do poder. Não estava preocupada com a escrita, engana-se quem entende que a escola nasceu para ensinar a ler e escrever, mas para transmitir as habilidades do poder, ser persuasivo, “amaldiçoar com firmeza e abençoar com brandura”. O primeiro professor era o pedotriba, professor de educação física, ensinava a como se comportar frente às massas e as habilidades e atitudes físicas e corporais. O segundo professor do Egito o professor de retórica, e o terceiro o professor de música que era uma forma de deleite e de representação da aristocracia. A escola para todos é muito recente e ainda não foi conquistada, a escola nunca foi inclusiva, sempre foi equipamento para a classe dominante, e durante muito tempo só para os homens, essencialmente, intrinsecamente excludente, pois nasceu para preparar para o trabalho com raízes materiais e econômicas.
        A terceira tese que apontamos é a de Luzuriaga (1990) que afirma que a escola tal como a conhecemos até hoje tem a sua origem como quase tudo institucionalmente do ocidente, na Grécia, entre o século VI, III a.C. Ou seja, a escola nasceu como “escola do alfabeto”, aquela preocupada em ensinar a ler e escrever. Nesta época os escribas (escravos) é que faziam as anotações, pois o faraó sendo considerado Deus não necessitava aprender a ler e escrever. A “escola do alfabeto” como ancestral da nossa escola é um equipamento que nasceu em Atenas, no auge da democracia ateniense, com os sofistas, Platão, Aristóteles, sendo esta, um equipamento da elite urbana, não se caracterizando como uma escola para todos. Aprender a escrever torna-se importante, a partir do caráter positivo da linguagem e quando a lei escrita passa a ser sanção do estado de participação política, conhecer a lei para participar da cidade, para a defesa de seus direitos de cidadão. A escola na idade média era a escola episcopale, destinada à formação do clero e palatina para formar a nobreza e os seminários para formar os monges.

        2. A escola como aparelho de alienação capitalista

        A primeira fase do capitalismo inicia-se com mercantilismo onde saíram na frente Portugal, Espanha, formando colônias. Depois Itália, Holanda e Inglaterra, que não tinham tantos conhecimentos marítimos. No séc. XVIII e XIX, dois séculos de transição a Revolução Industrial determina uma segundo ciclo do capital, onde já não importa mais o tanto de colônias, mas o domínio da potencialidade de manejo de máquina, Inglaterra, França, Estados Unidos, líderes da segunda  revolução do capitalismo e depois Itália e Alemanha. Quando a Europa se quebra na II Guerra mundial os Estados Unidos da América, toma a hegemonia, surgindo a  fase da globalização do capital, expansão do capital.  Na luta pela hegemonia do mundo temos ao final do Séc. XX,  globalização financeira, padrão dolarizado, domínio do mercado. O capitalismo teve que fazer mais concessões com a classe operária, na fase da revolução industrial foi preciso distribuir  a civilização, para formação de mão-de-obra especializada, uma escola civilizatória de pactuação, hegemonia. Na fase da globalização o capitalismo pode deixar para atrás algumas concessões feitas antes, como a idéia de uma escola para todos, abandonando a escola como consenso mínimo, como ajustamento social. De 1980, o capitalismo onipotente cria uma lógica de que é só necessário apenas escola básica assistencialista, preocupação com o ensino fundamental, e junto com ela políticas de controle de natalidade, distribuição de camisinhas, controle de doenças sexualmente transmissíveis especialmente na Europa, com  a escola compensatória um ensino médio propedêutico, seletivo e um ensino superior privado, através do BM (Banco Mundial) investimento do ensino fundamental, FMI (política de investimento e mercantilização do ensino superior), a UNESCO, a ONU. Os porta vozes dessa ideologia de desescolarização do mundo são na Europa Perrenoud e os reformistas franceses de direita na Espanha Coll, Sacristán, em Portugal Nóvoa, Guimarães, Ferreira. Reformadores que retiram da tradição crítica marxista a sua legitimidade. Palavras de ordem passam a ser aprender a ser operário, consumidor, através da ideologia do estado neoliberal com suas políticas universalizantes. Ainda que a Constituição Federal (CF) de 1988 previa “Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam às seguintes metas para a educação brasileira: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; melhoria da qualidade do ensino;  formação para o trabalho;  promoção humanística, científica e tecnológica do País. No entanto os dados reais apontam as contradições, o Brasil tem aproximadamente 12% de analfabetos: 30% de analfabetos funcionais, em uma população de 180 milhões de pessoas, temos cerca de 54 milhões de analfabetos funcionais. Quanto à universilização do atendimento escolar, cabe perguntar o que seria universalizar a Educação? O Brasil conseguiu universalizar a educação?  Universializar o atendimento escolar seria colocar toda criança na escola, pode-se dizer que o Brasil teria talvez universalizado o acesso, porém isso não garante a permanência. O Governo Fernando Henrique Cardoso conseguiu colocar na escola da faixa etária de 6 a 14 anos – 96,7% das crianças. Cabe questionar se isso significou um avanço de desenvolvimento? E como conseguiu isso? Através das ações efetivadas pelos Conselhos Tutelares de fiscalização e da implantação do Programa Nacional de Renda Mínima com políticas assistencialistas de caráter analgésico e anestésico e não preventivo, nem curativo como  o Bolsa Escola (2001), Bolsa Alimentação (2001),  o PNAA - Programa Nacional de Acesso à Alimentação (2003), Auxílio-Gás (2002). Portanto, isso não pode ser considerado avanço. Ou seja, não precisamos apenas garantia de acesso, mas também de condições para a permanência. Precisamos de políticas públicas capazes de garantir a qualidade da permanência.
        Os dados do Ensino Médio também demonstram  que cerca de 70% dos jovens brasileiros iniciam o ensino médio, 30% dos jovens estão fora da escola e 46% dos jovens que ingressam no Ensino Médio não concluem. Segundo dados do IBGE dos 180 milhões de habitantes cerca de 20% estão na faixa etária de 15 a 24 anos, ou seja, uma média de 36 milhões de jovens. Cerca de 54% das  famílias brasileiras não têm renda, não têm emprego.
        A taxa de mortalidade no Brasil  na faixa de 15 a 29 anos é alarmante, o que implica reconhecer que morrem mais jovens, e a maioria do sexo masculino, causa: morte por assalto, pela polícia e drogas.
        Dados da revista Exame de 28 de abril de 2004 trazem como manchete a criminalidade: a guerra brasileira: em duas décadas os homicídios no país atingiram cifras de países conflagrados entre 1980 e 2000, mais de meio milhão de brasileiros foram assassinados. A taxa de mortalidade por homicídio 130% nos últimos 20 anos. Entre 2002 e 2006, houve um aumento de 21%   blindagem de veículos . O número de empresas interessadas em palestrar sobre segurança também aumentou muito nos últimos tempos. É muito difícil dimensionar os prejuízos da criminalidade no Brasil. Estima-se que a Violência gere um custo anual de 10% do PIB  para o país, cerca de 102 bilhões de reais. Enquanto nosso país investe 5% do PIB em educação e estas verbas não chegam ao seu destino, e quando chegam são na maioria gastas em outras secretarias.
        O PROUNI – Programa Universidade para todos embora contribua para a inserção de muitas pessoas da classe desfavorecida na Universidade, é em nosso ver uma política que tem como meta  velada (a longo prazo) a  privatização da universidade brasileira, de uma forma consensual, sem que a população se dê conta disto. O PROUNI foi criado no governo Fernando Henrique Cardoso e incorporado pelo governo lula – justificando que esta ia de encontro às metas do Plano Nacional de Educação – PNE que prevê a presença, até 2010, de pelo menos 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos na educação superior, hoje restrita a 12% dessa população. Enquanto que outros países apresentam um índice muito maior de jovens dessa faixa etária na Universidade entre eles: Chile - 40%, Venezuela - 46%, EUA - 50% - EUA, França - 58% ; os jovens brasileiros não têm renda, não tem garantia de acesso à Universidade e quando conseguem o acesso não conseguem permanecer porque não têm meios de subsistência na academia. Consideramos o  PROUNI como uma privatização com subsídios públicos, uma forma de injetar dinheiro público no setor privado. É pano de fundo da privatização à longo prazo, é uma estratégia governamental para que essa privatização ocorra em doses Homeopáticas, lamentavelmente o governo Lula tornou-se um colaboracionista das políticas do Governo Fernando Henrique Cardoso. 
         Cabe aqui fazer a distinção entre Universidade "Pública" e "Gratuita". O que público é obrigatoriamente gratuito? Público é que todos podem ter acesso, ingressar. Gratuita é que não há pagamento para esse ingresso ou acesso. A  nossa defesa não é apenas por um universidade gratuita, mas necessariamente por uma universidade pública de qualidade, somos contra a privatização da universidade pública.
        As cotas para afro-descendentes apresentam um lado bom, mas política de reparação não deveria ser por critério racial, isso caracteriza uma política preconceituosa, que traz embutida uma diferenciação de potencialidade intelectual, que não existe, todos temos capacidades intelectuais iguais.
        A proposta em nota no PNE (2001-2011) seria de elevar o percentual de gastos públicos em educação para que atinjam no mínimo 7% do PIB no período de dez anos.  Hoje, esses gastos atingem algo em torno de  5% do PIB, segundo a Fundação Getúlio Vargas -Inep (2009). A meta agora sugerida pela Unesco seria que nos próximos 10 anos (2011-2021) esse percentual chegue a 10%. Consideramos como Saviani (2000), que esta é a meta das metas, um a priori, condição prévia para o cumprimento das demais. Se compararmos os investimentos de diversos países na Educação podemos ver que o Brasil apresenta um dos mais baixos índices. O Brasil investe 5% do PIB em educação (Os dados, referentes ao ano de 2009, são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep). Enquanto o Paraguai – 5,2%, Argentina - 8%, Cuba -  8,8%, Chile – 9%, Alemanha – 9,2%, Japão – 9,5%, EUA - 9,6%, Inglaterra -  9,8%, França – 12%, Venezuela – 12%, a política educacional brasileira recolhe as migalhas deixadas pelas políticas econômicas.

         3.Considerações Finais

Diante do exposto, fica claro que, os entraves educacionais são muito mais políticos do que metodológicos. Os problemas sociais do Brasil são bem conhecidos. Entendemos que os avanços na área da educação são condições para uma existência digna, para a democracia e para o desenvolvimento do país. O único planejamento legítimo é o planejamento democrático e descentralizado, que minimiza a imposição de valores e potencializa o seu caráter de instrumento de liberdade, de autonomia, para a intervenção racional sobre o futuro. O sistema educacional brasileiro apresenta: baixos índices de conclusão do ensino básico, altos índices de evasão e repetição, acentuadas disparidades educacionais entre as várias regiões. Essa baixa qualidade da educação, principalmente a pública, é ligada a uma ineficiente administração e gerenciamento educacional, uso insuficiente e impróprio dos recursos financeiros e principalmente à estratégias de ensino e avaliação do desempenho escolar inadequadas.
A educação é, portanto, dever do Estado e direito do cidadão, entretanto consolida-se em torno dos valores econômicos, como conseqüência do rápido desenvolvimento capitalista, tecnológico e da nova ordem globalizada. A Educação passa a ser direcionada para o novo estilo de desenvolvimento, reproduzindo as relações de poder e subordinação, presentes neste modelo.
As metas das políticas públicas governamentais estão atreladas à política capitalista do Banco Mundial, do FMI, objetivam sim 100% das crianças na escola, mas, para o mercado de trabalho,  para produção do capital, manutenção de classes e da hegemonia. Uma  escola para formar mão-de-obra qualificada e não sujeitos pensantes, críticos e conscientes. A escola atrelada aos objetivos do mercado valoriza os cursos técnicos – formação de tecnólogos – informática, etc. e não as ciências humanas: história, filosofia, pedagogia, sociologia, bases para a uma educação emancipatória, crítica, para uma sociedade igualitária.
Daí então, a necessidade de uma visão crítica da história da educação e realidade, especialmente do educador como formador de opinião, como agente de conscientização e democracia. E consideramos que o materialismo histórico dialético seja o instrumento de análise que mais possibilidades nos oferece nessa luta contra a alienação do sistema vigente. Como bem coloca Sartre na Crítica da razão dialética “Em primeiro lugar todo homem tem que saber o que fizeram dele, para não ser um alienado. Depois tem de saber o que vai fazer com o que fizeram dele”. E ainda Gramsci (1982, p.82) diz que: “ um professor medíocre e conseguirá que os alunos sejam mais instruídos, porém não mais cultos; pois o professor desenvolverá apenas a parte mecânica da escola...”
Com a máxima urgência faz-se necessárias ações e políticas e estratégias educacionais realmente voltadas para romper com a alienação vigente, para tentar reverter a atual situação social e educacional do país, políticas públicas realmente voltadas para o social , com o intuito de beneficiar e socializar o saber, o conhecimento, buscando universalização do acesso e garantia da qualidade de permanência nas instituições escolares.
Concluímos que, desde a antiguidade a escola nunca foi democrática e nem voltada às classes desfavorecidas, o pouco que de conhecimento que se destina à estas é para sua profissionalização no intuito de tornar-se mão-de-obra qualificada para atender às demandas do mercado capitalista. Entendemos que para o desenvolvimento social do Brasil exige-se a presença de uma escola crítica, realmente democrática e capaz de garantir a igualdade de oportunidades para todos. E acreditamos que este instrumento de reflexão crítica da práxis deve ser colocado para que a realidade educacional aparente seja, pelos educadores, superada, buscando-se então a realidade educacional concreta, pensada, compreendida em seus mais diversos e contraditórios aspectos, para que possamos engendrar rupturas na alienação que impera no sistema educacional brasileiro e emergir rumo à uma educação para a superação e não para a passividade.



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