quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A escola e formação da consciência corporal crítica da criança e do adolescente frente à visão reducionista do corpo na sociedade capitalista mercantil


Continuando nosso post sobre a escola e a negação do corpo e da sexualidade da criança.. Consideramos necessário e urgente analisar e refletir criticamente sobre a percepção que permeia o conceito e a visão de corpo na sociedade atual abordando desde o conceito padronizado de beleza (mito de corpo perfeito), corpo como objeto (coisificado), corpo como mão-de-obra explorada (visão capitalista), o corpo como produto (visão mercantil - prostituído) e a dificuldade de reconhecimento do próprio corpo (corpo sexual controlado, reprimido), fruto de uma visão social reducionista da sexualidade, sendo um dos fatores que levam à vivência reducionista da sexualidade, focando-a nas genitálias (no ato sexual), deixando de reconhecer, compreender, explorar e vivenciar o corpo em sua totalidade e potencialidade.
Como afirma Foucault (2006), desde o século XVIII a sociedade passou a viver sob repressão sexual. E que, a ascensão da burguesia, reduziu o sexo à sua função reprodutora, onde o casal procriador passou a ser o arquétipo. E O que não se enquadra dentro desta “normalidade“- é excluído, negado, silenciado. Mas, a sociedade burguesa permite algumas exceções, restringindo as sexualidades negadas a lugares onde possam gerar lucros, como por exemplo, as casas de prostituição.
Louro (2007), afirma que a sexualidade, os corpos e os gêneros vêm sendo descritos, compreendidos, explicados, regulados, saneados e educados pelas instâncias sociais. Bonfim (2009) entendendo a sexualidade como todas as nossas manifestações e interações biológicas, psicológicas e sociais também aponta que o corpo funciona como lugar de categorização social, como superfície de inscrição de marcas distintivas como as vestimentas, o comportamento corporal constituindo-se inclusive, em tipificações de classes sociais, culturas, gênero, entre outros.  Embora, a  sexualidade seja  a dimensão das interações humanas ligando-se diretamente ao corpo como dispositivo de prazer (inclusive de reprodução e produção), o entendimento que se tem do corpo constrói-se, a partir das representações sociais do corpo e com as fantasias individuais.
Consideramos que a escola como um todo é um campo privilegiado para desenvolver a consciência corporal, e a disciplina de Educação Física em especial, que apresenta um campo privilegiado para trabalhar as manifestações da sexualidade das crianças por ser uma área que está, constantemente, voltada para o domínio do corpo, contribuindo assim, para a problematização e desconstrução dos conceitos de corpo, gênero e sexualidade hegemônicos no contexto escolar especialmente no que diz respeito a valores éticos e estéticos. Pode trabalhar o sentimento, a auto estima e o prazer que estão diretamente ligados à sexualidade. As atividades físicas de maneira geral, apresentam-se também como uma forma de aprender a expressar, respeitar e lidar com os afetos, sentimentos, desejos, de si mesmo e do outro. Outro trabalho importante onde a educação física se apresenta como um campo capaz de propiciar reflexões ricas diz respeito à cultura corporal. Podendo contribuir para a superação dos modelos e estereótipos idealizados de corpo belo, a percepção que permeia o conceito de corpo na sociedade atual abordando desde o conceito padronizado de beleza (mito de corpo perfeito), especialmente na adolescência, onde estes conceitos esteriotipados, levam os jovens a uma construção negativa da sua auto-imagem, prejudicando sua auto-estima, e através de reflexões críticas, pode-se reverter estes hábitos nada saudáveis que muitos adolescente adotam para incluir-se na ditadura de beleza imposta pela sociedade. Conhecer seu corpo, aprender a cuidar e valorizar a saúde; é um dos caminhos que levam a formação da consciência crítica que torna uma pessoa capaz de fazer escolhas conscientes responsáveis inclusive, a respeito da vivência de sua sexualidade. 

Consideramos como Altamann e Souza que no campo específico do gênero a Educação Física pode contribuir para a superação dos preconceitos especialmente relativos à prática esportiva.  Porém, a  formação docente não tem oferecido os subsídios pedagógicos necessários para que os docentes possam realizar um trabalho que contribua para quebrar os preconceitos de gênero no ambiente escolar.  

É importante lembrar que o preconceito de gênero não é apenas relacionado ao sexo feminino, os meninos também sofrem diversos preconceitos como bem coloca Altmann e Souza (1999, p. 56):
Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão não é exatamente o fatode elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas ou mesmo que outras colegas. Ademais, meninas não são as únicas excluídas, pois os meninos mais novos e os considerados fracos ou maus jogadores frequentam bancos de reserva durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com menor freqüência até mesmo do que algumas meninas. Tais constatações mostram-nos que a separação de meninos e meninas nas aulas de educação física desconsidera a articulação do gênero com outras categorias, a existência de conflitos, exclusões e diferenças entre pessoas do mesmo sexo, além de impossibilitar qualquer forma de relação entre meninos e meninas.” Altmann e Souza (1999, p.5)

Louro (2004, p. 72) também afirma que:
[...] nas aulas de educação física esse processo é, geralmente, mais explícito e evidente. Ainda que várias escolas e professores/as venham trabalhando em regime de co-educação, a educação física parece ser a área onde as resistências ao trabalho integrado persistem, ou melhor, onde as resistências provavelmente se renovam, a partir de outras argumentações ou de novas teorizações.

Essas resistências que segundo Altmann e Souza (1999, p. 57) afirmam estão historicamente relacionadas com  o forte vínculo da Educação Física com a concepção biologista e positivista.
Essa história mostra que na aparência das diferenças biológicas entre os sexos ocultaram-se relações de poder – marcadas pela dominação masculina – que mantiveram a separação e a hierarquização entre homens e mulheres, mesmo após a criação da escola mista, nas primeiras décadas deste século. Buscou-se manter a simbologia da mulher como um ser dotado de fragilidade e emoções, e do homem como força e razão, por meio das normas, dos objetos, do espaço físico e das técnicas do corpo e dos conteúdos de ensino, fossem eles a ginástica, os jogos ou – e sobretudo – os esportes.

 Retomando Altmman e Souza (1999, p. 58)
Com a introdução do esporte moderno como conteúdo da educação física escolar no Brasil, principalmente a partir dos anos 30, a mulher manteve-se perdedora porque era um corpo frágil diante do homem. Todavia, era por “natureza” a vencedora nas danças e nas artes. O corpo da mulher estava, pois, dotado de docilidade e sentimento, qualidades negadas ao homem pela “natureza”. Aos homens era permitido jogar futebol, basquete e judô, esportes que exigiam maior esforço, confronto corpo a corpo e movimentos violentos; às mulheres, a suavidade de movimentos e a distância de outros corpos, garantidas pela ginástica rítmica e pelo voleibol. O homem que praticasse esses esportes correria o risco de ser visto pela sociedade como efeminado. O futebol, esporte violento, tornaria o homem viril e, se fosse praticado pela mulher, poderia masculinizá-la, além da possibilidade de lhe provocar lesões, especialmente nos órgãos reprodutores. À medida que os anos transcorreram, as perspectivas sob as quais se adjetivava o esporte foram se alterando e, nas últimas décadas, presenciamos algumas mudanças: aos homens é dado o direito de praticar o voleibol, sem riscos para sua masculinidade, e o futebol passa a ser praticado por mulheres, tanto nos clubes quanto em algumas escolas. Entretanto, não se pode considerar que, pelo fato de homens e mulheres praticarem os mesmos esportes, estes tenham deixado de ser genereficados. Basta uma análise mais cuidadosa do noticiário divulgado  para verificarmos que eles continuam, de maneira geral, estreitamente ligados à imagem masculina: destacam-se a beleza das atletas, suas qualidades  femininas, sempre frisando que são atletas, mas continuam mulheres.

Aproveitamos o tema  para divulgar que estivemos no mês de agosto apresentando um trabalho no I Simpósio Internacional de Imagem Corporal e I Congresso Brasileiro de Imagem Corporal entitulado: A VISÃO REDUCIONISTA DO CONCEITO DE CORPO NA SOCIEDADE CAPITALISTA MERCANTIL. Onde apontamos que a sociedade capitalista vê o corpo como mera força de trabalho e com a mercantilização do sexo, o corpo produtor de bens, passa a ser “ele próprio” objeto, fonte de produção capital.


A visão de corpo vigente é condicionada pela sociedade capitalista mercantil midiática, conduzindo a visões esteriotipadas, limitadas e reducionistas do corpo, ora como mão-de-obra, ora como objeto,  ora como um produto, desumanizando as relações sociais e afetivo-sexuais. As crianças e adolescentes induzidas pela mídia, em especial a televisão acaba por incorporar como corpo e comportamento ideal os estereótipos de modelos e artistas, que lamentavelmente em muitos casos, não são nada éticos. Especialmente no âmbito da sexualidade feminina onde os corpos das mulheres são usados para atrair audiência e parecem produtos expostos numa vitrine, chamada televisão. As mulheres semi-nuas vulgarmente exibindo seus corpos padronizados acabam por ser o modelo de corpo e comportamento a que os adolescentes por falta de discernimento e senso crítico são condicionados a ter como referência.
A conscientização deve ser bilateral, ou seja, de ambos os lados: escola e família. A visão natural acerca do termo sexualidade deve acontecer não só dentro do ambiente escolar, mais dentro do seio familiar.
A escola não é mera preparação de mão de obra para atender as demandas e interesses da sociedade capitalista. A educação é processo de hominização do homem. Entendemos que, a escola é um dos ambientes mais adequados para a formação valores capazes levar os educandos a romperem esse círculo vicioso da cultura e com os padrões corporais esteriotipados que alicerçam a sociedade capitalista mercantil. Aos educadores diríamos que, conhecer o corpo, suas possibilidades e potencialidades, é tão importante, quanto o aprendizado da leitura e da escrita do mundo, é saber ler a si mesmo e escrever sua história. Assim como adquirimos conhecimentos para transformar o mundo num lugar melhor, devemos conhecer nosso corpo e nossa sexualidade para tornamos melhor nosso mundo interno: corpo e mente, que são o berço das significações da vida.
 No mais sabemos que a cada a erotização e a puberdade estão cada dia mais precoces o que aponta a necessidade emergencial de se abordar esse assunto dentro do ambiente escolar para orientar nossas crianças e adolescentes para que desenvolvam de maneira saúdavel, natural e tranquila, e para que não deixem de viver plenamente a infância que é uma fase essencial, assim como todas as outras fases da vida, mas que se não for desenvolvida plenamente poderá marcar uma pessoa profundamente pelo resto da vida, mas sobre isso trataremos melhor num próximo post. Até lá!
 Referências:
 ALTMANN, Helena; SOUZA,  Eustáquia Salvadora de. Meninos  Meninas: Expectativas Corporais e Implicações na Educação Física Escolar. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48, Agosto/99, p. 52-68.
BONFIM, Cláudia Ramos de Souza. Educação Sexual e Formação de Professores de Ciências Biológicas: contradições, limites e possibilidades. (Tese de Doutorado). Campinas, SP: FE/UNICAMP, 2009.
 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. (V. I.). Rio de Janeiro: Graal, 2006.
 ______. Microfísica do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
LOURO, Guacira Lopes. (2007). Pedagogias da Sexualidade. In: O corpo educado. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
______. Gênero, sexualidade e educação; uma perspectiva pós estruturalista. Petrópolis: Vozes, 2004.

Um comentário:

  1. Na Grécia Antiga eram considerados homens bonitos aqueles que tinham o corpo robusto, cheio de músculos. Alguns ficavam famosos durante os Jogos Olímpicos, por causa do respeito que impunham aos cidadãos devido aos seus belos corpos e à extrema resistência física.
    Hoje esse ideal de beleza tem se intensificado. A indústria da beleza promove e exibe para a sociedade o ideal de perfeição masculino: corpo musculoso. Do mesmo modo, as mulheres também possuem o ideal de beleza: serem magrelas.
    O cinema também valoriza o ideal de beleza de ambos os sexos. O homem deseja ter o corpo atlético de um ator de filme de ação e a mulher sonha em ter um corpo magrelo de modelo.

    Com o crescente número de academias pelo mundo, as pessoas se sentem atraídas a buscarem essa perfeição tão aclamada atualmente. Elas se submetem a duras jornadas de exercícios físicos.
    Irracionalmente e obcecadas pelo desejo de conseguirem mais rápido a tão desejada forma, muitos arriscam a saúde, Muitas mulheres optam por regimes drásticos. Desse modo, como a imprensa vem noticiando muito ultimamente, muitas jovens morrem de anorexia.
    Os homens também cometem erros graves à busca desenfreada do belo corpo. Um grande número deles usam anabolizantes e se excedem em exercício.
    Após 14 anos sobre uma cadeira de rodas devido um grave acidente que me deixou tetraplégico, não tenho um corpo dentro das normas que a sociedade exige. Ficou difícil competir no mercado de trabalho e com os homens sarados em relação às mulheres. É uma competição desleal, mas tenho que enfrentar!
    Mesmo com as mudanças não deixei de querer ter uma mulher ao meu lado, mas pelo fato de não ter um corpo sarado estou sempre sobrando, rsrs... Elas querem um corpo perfeito, até quando vai ser assim?

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